Era uma casa sem energia, sem qualquer energia, e fazia muito tempo que ninguém saía de dentro do quarto. As outras pessoas diziam que ele deveria ficar ali, mas o Alguém Sabido se aventurou, acho que estava cansado de ver todos os perdidos na escuridão. Queria ganhar o mundo, tirar todos daquela noite que nunca acabava.
Foi a maior gritaria quando a porta rangeu abrindo e todos os perdidos ficaram correndo em círculos, mas o Alguém Sabido quis continuar, deu mais alguns passos e se perdeu na escuridão dos cômodos. Eram muitos cômodos e muitas portas na casa, mas ele não desistiu e, mesmo que não soubesse direito para onde seguir, esperou pelos outros.
Naquela casa tinham três cachorros e outros tantos gatos. Os cachorros latiam para os gatos, que saíam correndo apavorados. Tudo era muito confuso, e o barulho da correria assustava os perdidos. Mas o Alguém Sabido ficou firme, porque queria ajudar as pessoas perdidas, dizia a elas que não podiam desistir, era só continuar.
Motivada, uma pessoa perdida achou que seria importante procurar uma vela. Passando a mão em todos os móveis, encontrou uma caixa, que parecia ser de fósforos, riscou, tentando acender o palito, mas ele parecia quebrado ou já havia sido usado. Vai saber?
Tudo ainda estava escuro, e as pessoas perdidas continuavam rodando em círculos procurando uma saída. Acho que tinham esquecido em qual direção ficava a porta. O Alguém Sabido queria continuar, mas ouvia as pessoas perdidas pedindo socorro até quando elas não pediam e por muito tempo continuou ouvindo até que lembrou que na casa havia janelas e correu para abri-las. Foi estranho porque todos os perdidos correram na direção contrária quando ele os lembrou que por elas a claridade entraria.
No começo, o Alguém Sabido não entendeu, mas depois percebeu que poderia ser medo. Tem gente que se acostuma a ficar perdida e, ao invés de procurar a luz, se esconde ainda mais no escuro. Foi então que ele entendeu o que precisava que fazer. Foram tantas janelas sendo abertas que as pessoas perdidas a princípio taparam os olhos tamanha era a claridade e só se moveram quando viram o Alguém Sabido parado do lado de fora da janela olhando o mundo. Seu trabalho estava concluído, havia aberto as janelas. Agora os perdidos não estavam mais na escuridão e cada um, a seu tempo, encontraria o caminho.
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O microconto A janela surgiu de uma redação escolar com o tema: Eu vejo, e a ideia de publicá-lo foi o desejo de demonstrar a sensibilidade de uma criança de 10 anos capaz de perceber que amigos precisam de ajuda e que sempre há uma saída, mesmo quando todos acham que não.
Esse garotinho foi parar na diretoria porque chutou um menino que mexia na saia de uma colega de sala, fazendo todos rirem dela, que já chorava. Na época, ele tinha 6 anos.
Anos depois ficou com o olho roxo porque entrou em uma briga para defender um amigo e acabou sendo ele o acertado. Quando o questionei, ele disse, como se fosse óbvio, que: amigo a gente não deixa sozinho nunca.
Aos 7 anos, teve a mão furada por outro colega de sala, mas quando eu – doida da vida – disse que ele deveria se afastar do agressor, ele pacientemente me explicou: mãe, ele é confuso, apanha do irmão e a mãe dele não cuida dele, se eu não for amigo do W., quem naquela escola vai ser?
Em 2019, com 11 anos, esse mesmo rapazinho chorou sentido ao entrar no carro contando ter presenciado um aluno xingar a professora grávida de 6 meses. A professora não retornou mais para a sala de aula naquele ano. Às vezes ele ainda pergunta se ela e o bebê ficaram bem e não entende por que o aluno foi tão cruel.
No finalzinho daquele mesmo ano, pelo whatsapp, ele levou um sermão de um colega que não quis “emprestar” as respostas da lição de história. Por exigência minha ele as fez sozinho e até adiantou algumas páginas. Naquele mesmo dia à tarde, na sala de aula, souberam que as páginas adiantadas eram para ser entregues ao professor e ele deixou que o garoto do sermão copiasse as respostas, quando eu – indignada – o questionei por que raios ele havia deixado, ele me disse que fez isso porque o ensinei a não fazer com os outros o que fizessem de ruim pra ele.
Pois é… Te amo, filho. Há 12 anos me ensinando a ser um ser humano melhor. Obrigada.